“A margarina parecia manteiga, agia como manteiga, mas não era manteiga”

Foto: Arquivo pessoal

Autora de livro sobre a história da manteiga, Elaine Khosrova revela que produto tem um pano de fundo mais feminista do que se poderia imaginar e conta como a chegada da margarina e a industrialização mudaram essa trajetória

Atrás de todo alimento, tem uma história. E poucas são tão fascinantes e cheias de reviravoltas como a da manteiga — e de seu indissociável duplo, a margarina. A jornalista norte-americana Elaine Khosrova começou a se interessar pelo assunto como foodie.  Gostava de comer manteiga, de fazer manteiga, de experimentar diferentes sabores. Mas se a porta de entrada para esse universo foi a curiosidade sobre como se produziu manteiga ao longo do tempo, sua pesquisa a levou para um caminho inesperado: o protagonismo – e até podemos dizer hegemonia – feminina nesse mercado por muitos séculos.

No livro Butter: a rich history, publicado nos Estados Unidos em 2016 (e, infelizmente, até hoje sem tradução para o português), Khosrova revela como as mulheres construíram o comércio de manteiga na Europa da Idade Média até a Modernidade. E se aproveitaram do amor humano por essa substância amarelinha para ter protagonismo e alguma autonomia por meio de um fazer que, ao contrário dos muitos outros que recaíam sobre seus ombros, era social e economicamente valorizado. 

A jornalista também fala sobre o declínio dessa era. A partir da Revolução Industrial e da entrada dos homens no mercado, os saberes femininos foram desvalorizados. “Seus métodos eram considerados retrógrados”, conta. E a produção foi massificada.  

Também no século 19, outro sintoma dessa nova ordem surgia na França. Em busca de um produto mais barato do que a manteiga para agradar às massas, o imperador Napoleão III prometeu um prêmio para quem encontrasse um substituto para o produto. E, assim, surgiu a margarina. O doppelgänger da manteiga não pararia de passar por transformações tecnológicas em busca desse objetivo – o que se revelou desastroso para a saúde dos seus consumidores. Nessa entrevista ao Joio, Elaine Khosrova fala sobre isso e muito mais.

Confira os melhores trechos.


Seu livro começa descrevendo uma manhã na vida de um menino que vive em uma comunidade tradicional no Butão, onde se produz manteiga. E você mostra que, ao contrário do que muita gente pensa, a produção de manteiga não é uma tradição exclusivamente europeia. Onde encontramos essa prática culinária no mundo? E onde não encontramos?

A manteiga virou sinônimo de culturas europeias, mas há culturas produtoras de manteiga muito além da Europa. E culturas antigas. Extrair a gordura do leite e processar laticínios foi, historicamente, algo bastante difundido em todo o mundo. Na Eurásia, toda aquela região onde os iaques [um tipo de animal ruminante] eram muito populares.  E, nas Américas,  essa cultura não existiu até a colonização. Os povos indígenas não tinham nenhuma cultura de produção de laticínios. Podemos dizer isso de toda América do Norte e América do Sul.

O que sabemos sobre o início da produção de manteiga no mundo?

Só podemos especular. Pela minha pesquisa histórica, essa produção começou há pelo menos 10 mil anos atrás – mas pode ter ocorrido antes, até 15 mil anos atrás. E a manteiga não parece ter sido inventada em um lugar e depois se espalhado. Havia culturas leiteiras em todo o mundo, com camelos, cavalos, renas, iaques… Imagine todas essas diferentes culturas leiteiras usando o máximo possível esses animais, processando produtos sempre que possível.

 É muito provável que essas diferentes culturas tenham chegado à manteiga de forma acidental. Porque se há  leite a uma certa temperatura e ele é agitado, então haverá grânulos de manteiga se formando. Escrevi no meu livro uma espécie de conto de fadas sobre um pastor que carrega uma carga de leite nas costas de um burro. E o leite vai sendo sacudido pelo animal enquanto ele percorre a trilha. Ao chegar ao seu destino, o pastor abre a carga e lá estão ricos grânulos de manteiga. Essa é uma possibilidade. Muitos desses alimentos básicos, como o pão, são resultado de acasos felizes. Mais tarde, a fabricação deliberada era feita de forma parecida: colocando o leite num saco que não vazasse, suspendendo esse saco por galhos pesados ​​e resistentes, e então balançando para frente e para trás. 

Para mim, a parte mais interessante do seu livro diz respeito ao papel das mulheres na produção de manteiga. Sem romantizar e demonstrando que essa era uma das muitíssimas tarefas femininas, você fala sobre como essa produção garantiu algum protagonismo e autonomia às mulheres… 

Foi só quando comecei a pesquisar maneiras de fazer manteiga que todo esse mundo das mulheres se abriu para mim. Inicialmente, eu queria escrever o livro apenas para falar sobre a arte de fazer manteiga e por que certas manteigas são mais amarelas, mais ácidas, mais doces… Eu me interessava pelo assunto como uma foodie. Mas quando comecei a me aprofundar nos métodos mais históricos de fabricação de manteiga, todo esse universo cultural se abriu.

E quais eram os tabus que vinculavam essa produção ao universo feminino?

Ordenhar vacas e fazer manteiga foi considerado um domínio feminino por séculos. Porque você está falando sobre fertilidade, sobre lactação, sobre um mundo misterioso para os homens. Não é algo que eles possam acessar. Então, foi uma área incontestável para as mulheres por muitos anos. Esse era o papel delas, era o trabalho delas. E, pelo menos na Europa e na América do Norte, foi somente a partir do século 19 que isso começou a mudar. 

Esses tabus estavam mais relacionados à Europa do que a outros lugares do mundo onde a manteiga era produzida?

Eu os encontrei principalmente na Europa, mas quando estive no Butão e na Índia também vi as mesmas tradições. Eram sempre as mulheres que coletavam o leite, tiravam a nata, batiam, faziam a manteiga. No Butão, foi bastante marcante, porque é um estilo de vida difícil e as mulheres pareciam fazer tudo. Eram elas que acordavam cedo para ordenhar os iaques e transformá-los em manteiga. Então, diria que é bastante universal.

Voltando ao contexto europeu, por que a produção de manteiga garantia alguma autonomia às mulheres?

Para as mulheres, era um ofício passado de geração para geração. Mãe, tias, filhas… Era algo com que elas cresciam. Quando essas mulheres faziam manteiga, era muito difícil acertar sempre, principalmente no verão e na primavera. É preciso manter tudo frio para que a manteiga se forme. Realmente não era um processo tão fácil. E essa intuição, essas maneiras sutis de trabalhar com o creme, também deixando o creme fermentar um pouco, ajudavam na batedura. Havia muitas pequenas nuances que as mulheres passavam umas às outras.

A manteiga foi uma mercadoria agrícola por muitos e muitos séculos. O campo era onde os animais estavam. Era onde as mulheres estavam. Então, elas faziam manteiga na fazenda e levavam para o mercado.

Algumas realmente se orgulhavam de suas manteigas, as embrulhavam em folhas de alface e colocavam uma pequena fita ou algo assim. Ou colocavam um lindo selo. Era uma forma de marcar a manteiga. E o que eu também descobri foi que havia manteigas realmente premium. Essas mulheres iam não até o mercado, mas até os clientes. Era como se os clientes tivessem uma assinatura da manteiga e elas iam entregá-la fresquinha da fazenda. Era boa nesse nível.

E, no contexto europeu, as mulheres que faziam manteiga, e também queijo, – as leiteiras – também foram objeto de fascínio e até fetiche, de certa forma. 

Havia um romantismo que também vinha do fato de que o leite, a lactação e a fertilidade representavam pureza, juventude e robustez, e isso tem sido retratado em pinturas há séculos. Em certas culturas, existem até deusas que são portadoras de leite, então isso tem um significado muito simbólico. Acho que, até certo ponto, ainda podemos olhar para essas pinturas e sentir aquela sensação do poder e da agência únicos de uma mulher no mundo.

A Revolução Industrial definitivamente mudou a maneira como nos alimentamos, e a manteiga não é exceção. Quais foram os valores e ideias que surgiram neste momento histórico e como isso abalou o domínio feminino na produção de manteiga?

Essa mudança inaugurou a produção em massa de manteiga. O que também permitiu que ela  ficasse mais barata. A invenção do separador de creme, no final do século 19, foi a primeira mudança nesse sentido. Inventado por um homem,  ele retirava o leite diretamente da vaca e separava o creme do leitelho, como dois fluxos diferentes. Isso permitiu acumular o creme em grandes volumes, batê-lo em grandes batedeiras. Em vez de produzir manteiga em casa, passou a fazer mais sentido simplesmente vender o leite para uma queijaria que tivesse esse separador. 

Então, a manteiga agora era produzida na queijaria – e, sendo produzida em grandes volumes, em grandes batedeiras, era necessário um trabalho mais físico. De novo, entram os homens. As mulheres não foram imediatamente expulsas porque, às vezes, eram contratadas por queijarias que tinham batedeiras menores para fazer manteiga – mas elas estavam lá apenas como alguém responsável por girar a batedeira. Elas não estavam contribuindo intelectualmente, refinando a fabricação de manteiga como fariam em casa. Seus métodos eram considerados retrógrados.

E essas mulheres ficaram irritadas?

Sim. Quando os homens começaram a invadir os laticínios e a querer controlar as coisas, tornando-as “melhores” e mais “científicas”, houve mulheres que não aceitaram. Elas eram muito resistentes a qualquer mudança, mesmo que pudesse ter sido alguma melhoria. Mas, no final, isso passou para um sistema muito maior.

Você diz que a manteiga produzida naquela época não tem muito a ver com a manteiga que conhecemos hoje. Não é esse produto industrial homogêneo que conhecemos…

Especialmente em relação à textura. A manteiga que temos hoje é resultado de um ajuste fino da estrutura cristalina predominante no creme. Para ficar mais claro, existem diferentes tipos de gordura. Há uma gordura lisa e uma gordura mais cristalina; o equilíbrio entre elas, que os tecnólogos da manteiga descobriram, nos dá uma manteiga muito coesa e lisa, como se não houvesse buracos. Ela não esfarela. É um produto realmente diferente e não dá pra saber se teria sido um sucesso ou um fracasso naquela época. 

Paralelamente à industrialização da produção de manteiga, temos a criação da margarina – um dos primeiros ultraprocessados. Você caracteriza a margarina como o doppelgänger da manteiga. 

Sim, em termos mais simples, um doppelgänger é um sósia. Um impostor. Era esse o significado que eu queria dar. Então, a margarina parecia manteiga, agia como manteiga, mas não era manteiga. Queria substituir a manteiga.

Quando a gente lê sobre os inícios da margarina, descobre que ela não fez muito sucesso na França, onde foi inventada, mas de saída foi adotada por fabricantes dos Estados Unidos. Mas lá já havia uma indústria láctea bastante estabelecida, inclusive politicamente, que vai resistir ao novo produto. Você batiza esse período como a “guerra dos 90 anos” dos fabricantes de manteiga contra a margarina. Como foi isso?  

Obviamente, a indústria da manteiga se sentiu muito ameaçada pela margarina que era mais barata e parecia manteiga. Na época, havia diferentes tipos de manteiga, e muitas pessoas não tinham condições de comprar as melhores. Havia uma qualidade inferior que tendia a ficar rançosa porque não era armazenada corretamente ou continha impurezas. Então, vem a margarina que é mais barata, dura mais, não tem o mesmo grau de ranço.  Provavelmente tinha um gosto bem decente, porque era feita originalmente de gordura bovina, levava um pouquinho de leite. Era uma grande ameaça para a indústria da manteiga.

Então, as guerras são legislativas, para criminalizar as características da margarina. E fica claro como os lobbies dos laticínios eram fortes, pois  conseguiram aprovar algumas das leis mais ridículas. Uma dizia que era preciso  tingir a margarina de rosa, para que todos soubessem que não era manteiga. E também porque fica realmente desagradável nessa cor. Eles tentaram todas as táticas para levar a margarina à clandestinidade e conseguiram tirar muitos produtores do mercado. E o que realmente salvou a margarina, no final, foram as guerras.

As guerras de verdade…

Sim. A Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial… E, naquela época, a hidrogenação de óleos vegetais já havia sido criada [processo tecnológico que substituiu o sebo bovino como matéria-prima da margarina, criado em 

1902]. Eles descobriram isso, então agora havia uma maneira ainda mais barata e fácil de fazer margarina. Isso, combinado com as guerras, quando os laticínios eram escassos e preciosos, realmente deu vida à margarina. E, então, tivemos pessoas achando que ela era mais saudável que a manteiga até aprendermos sobre os perigos da gordura hidrogenada.

A margarina assumiu essa aura de saudável porque tinha como matéria-prima óleos vegetais, portando gordura insaturada. Enquanto a manteiga foi apontada como uma das vilãs da alimentação por vir do leite, uma gordura saturada. Existe uma personagem central nessa guinada, o médico Ancel Keys, dos Estados Unidos. Como foi essa história?

Acho que o Dr. Keys se convenceu de que a gordura saturada era o demônio. Ele acreditava nessa teoria de que a gordura saturada era o problema, com base no fato de que, quando você olha para as artérias de pessoas com doenças cardíacas, há uma substância cerosa, e as gorduras saturadas têm uma aparência semelhante. Elas são sólidas. Não são líquidas. Era um pensamento muito simplista de causa e efeito. Na mente dele parecia tão óbvio: “Ok, você come gordura saturada e isso se deposita nas suas artérias…” Acho que ele acreditava nisso.

Havia outras evidências na comunidade científica e de saúde que apontavam para outras causas, em particular açúcar e carboidratos em excesso. Mas esse homem estava determinado a livrar a dieta americana da gordura saturada. E ele era um valentão, era intimidador. Pela força da sua personalidade e convicção, ele teve um enorme impacto nas dietas americanas, e isso continuou por décadas, porque ele conseguiu que o FDA [Food and Drug Administration, equivalente da Anvisa brasileira] declarasse que as gorduras saturadas deveriam ser evitadas a todo custo.

E então entramos nessa era de alimentos com baixo teor de gordura ou sem gordura – e tudo isso veio desse poder do Dr. Keys, que conseguiu manipular grande parte do mundo científico e político. Na época, é preciso ressaltar, as doenças cardíacas estavam em ascensão. Isso era realmente um problema, havia um senso de urgência. Esse  foi outro grande fator que explica por que ele teve tanto sucesso, as pessoas realmente queriam uma resposta e uma maneira de prevenir essas doenças.

E a solução simples foi substituir a manteiga pela margarina?

Sim. É irônico que a margarina, que foi tão recomendada, acabou se revelando uma das grandes culpadas pelas doenças cardíacas, já que era uma das principais fontes de gordura trans – resultante da hidrogenação. Agora, sabemos disso. Mas esse foi o legado de Ancel Keys.

Hoje, as gorduras trans são banidas em vários países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos… 

Mas levou muito tempo.

E muitas vidas.

Sim.

No Brasil, a margarina é muito mais barata que a manteiga. E é amplamente consumida pelas classes populares – inclusive está na cesta básica, recebe isenção de impostos do governo federal. Você diz que os produtores de manteiga perceberam que nunca atingiriam o mesmo preço da margarina e que para eles a solução foi nichar essa produção, tornando a manteiga um produto para poucos.

Eu acho que se você cresceu com margarina, ela não é um produto ruim. Quer dizer, ela funciona muito bem, é salgada e gordurosa. Então, existe aquela satisfação de comer margarina. E acho que se você cresceu com ela, você não se importa. E a manteiga pode até ser um pouco estranha, porque tem uma característica mais animal.

Ao mesmo tempo, o consumo de manteiga nos Estados Unidos certamente está aumentando. Mas isso pode ser temporário ou ter curta duração. Porque agora temos “manteigas vegetais”, o que é meio bobo. Margarina é uma manteiga vegetal. Mas ninguém quer mais chamá-la de margarina aqui. Então, tudo é vegetal – o que é uma categoria de produto totalmente nova, voltada para veganos e pessoas que querem algo mais saudável. Então, mais uma vez, a manteiga está lutando contra as últimas tendências e forças culturais neste país.

Ao mesmo tempo, as manteigas especiais estão crescendo. Manteigas saborizadas, artesanais, pequenas e preciosas. E as pessoas estão dispostas a pagar bastante, porque meio quilo de manteiga rende bastante. Você não come muita de uma vez. Você corta um pouco, uma colher de sopa ou algo assim. É um daqueles luxos acessíveis. E definitivamente, ela perdeu a má fama depois de ser demonizada por tanto tempo. Agora as pessoas não têm mais medo dela. Então, sim, é fascinante traçar esse caminho tão sinuoso que a manteiga tem trilhado, especialmente nos Estados Unidos.

Como as boas manteigas são produzidas hoje, no século 21? E quais atalhos os produtores de manteiga usam para piorar o produto?

Nos EUA, existem padrões para a manteiga que precisam ser respeitados. Ela sempre tem 80% de gordura ou não pode ser vendida como manteiga [no Brasil o parâmetro de gordura é o mesmo]. E o restante é água com um pouco de sólidos. Até as manteigas industriais são feitas de creme de leite com um pouco de sal. Ainda é um produto bastante puro.

Agora, o que vemos é alguns fabricantes adicionando o que chamam de “aromatizante natural”. Na verdade, é diacetil. Ele está naturalmente presente na manteiga, é o que faz a manteiga realmente ter gosto de manteiga. Diacetil químico é também o que colocam na pipoca ara dar um sabor amanteigado. Adicionar diacetil extra para dar um sabor mais amanteigado é uma mudança mais recente na indústria da manteiga. É adicionar um sabor mais intenso à manteiga – mas, na verdade, ainda é sabor de manteiga.

Há muitos produtores que não adicionam isso. Estou sempre verificando os rótulos… E quando vejo pessoas fazendo degustações de manteiga, tenho vontade de perguntar: “Você está olhando os rótulos?”. Porque se alguém adicionou diacetil, tem uma vantagem injusta em comparação com o diacetil naturalmente presente nas manteigas.

Hoje, aqui no Brasil, é menos comum criar vacas em confinamento, os chamados feedlots. Mas a nossa criação de milhões de bovinos – a maior parte para o setor da carne – é também um problema ambiental, gerando desmatamento e assim em diante. Você fala sobre como a alimentação dos animais  é fundamental para a qualidade da manteiga Por que isso é importante?

Primeiro de tudo, é muito importante para a saúde do animal. O sistema de confinamento é muito duro para esses animais. Eles não só ficam confinados, como também são obrigados a gerar bezerros. Estão em um ciclo de gestação e lactação, gestação e lactação. Simplesmente continua. Eles não se movem. E conversei com fazendeiros que dizem que essas vacas vivem metade do tempo do que aquelas que podem ficar no pasto. E eles não têm boa alimentação. A dieta delas tem uma quantidade enorme de grãos porque isso os engorda e é mais barato, fácil e rápido. Quer dizer, é um sistema realmente brutal. Então, nesse sentido, acho que é significativo.

Mas também, do ponto de vista da qualidade da manteiga, uma dieta com pasto é ótima. É ótima para a vaca, mas também transfere para o leite e, em seguida, para o creme do leite, diferentes micronutrientes e uma composição diferente de gorduras. É um produto mais natural e saudável. E há cada vez mais estudos mostrando que, não apenas para o leite e seus derivados, mas também para os produtos cárneos, a qualidade desses alimentos é alterada devido à forma como a saúde da vaca é preservada, especialmente em razão do que ela come.

É sempre o mais barato, o mais fácil, o mais rápido…

Essa mentalidade o tempo todo.

Na internet, vemos esse movimento das donas de casa tradicionais, as trad wives – que me parece vir principalmente dos Estados Unidos, mas que acaba alcançando todos nós. E uma das coisas que sempre aparece é a manteiga. A tradwife fabrica a própria manteiga. Às vezes do zero. O que você acha da recuperação da produção de manteiga – algo que deu alguma autonomia às mulheres no passado –num contexto claramente conservador?

Essa é uma questão muito interessante para se pensar. Sempre houve pessoas fazendo sua própria manteiga na internet.  Então eu sempre tive essa sensação artesanal e agradável. E agora, de repente, há esse tipo de sobreposição política, que é muito preocupante em aspectos mais amplos. Quer dizer, fazer manteiga é doce. É bom. Na verdade, não é tão difícil – a menos que você faça muita manteiga. Então, acho os outros aspectos da tendência das trad wives mais preocupantes. 

No entanto, sempre achei que não há respeito suficiente pela maternidade como um papel tremendamente influente no mundo, em nossa cultura. As mulheres são muito pressionadas a ter filhos e seguir carreira. E acho que, se há algum lado positivo nisso, pode ser realmente defender e dar mais status à maternidade, porque ela é tão subestimada. E é difícil. Mas pode ser algo só na superfície, que na verdade pregue o contrário, uma sociedade mais patriarcal ainda. 

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